domingo

A FÁBRICA DO POEMA

...

sonho o poema de arquitetura ideal
cuja própria nata de cimento encaixa palavra por palavra,
tornei-me perito em extrair faíscas das britas
e leite das pedras.
acordo.
e o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
acordo.
o prédio, pedra e cal, esvoaça
como um leve papel solto à mercê do vento
e evola-se, cinza de um corpo esvaído
de qualquer sentido.
acordo,
e o poema-miragem se desfaz
desconstruído como se nunca houvera sido.
acordo!
os olhos chumbados
pelo mingau das almas e os ouvidos moucos,
assim é que saio dos sucessivos sonos:
vão-se os anéis de fumo de ópio
e ficam-me os dedos estarrecidos.
sinédoques, catácreses,
metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
sumidos no sorvedouro.
não deve adiantar grande coisa
permanecer à espreita no topo fantasma
da torre de vigia.
nem a simulação de se afundar no sono.
nem dormir deveras.
pois a questão chave é:
...........sob que máscara retornará o recalcado?

(mas eu figuro meu vulto
caminhando até a escrivaninha
e abrindo o caderno de rascunho
onde já se encontra escrito
que a palavra “recalcado” é uma expressão
por demais definida, de sintomatologia cerrada:
assim numa operação de supressão mágica
vou rasurá-la daqui do poema.)

pois a questão chave é:
...........sob que máscara retornará?

...

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Carlos, gostei da idéia...
Vou te acompanhar aqui também... Quem sabe também não faço um blog parecido... me permite roubar a idéia?
Um abraço

29/10/05 21:24  
Blogger Unknown said...

Interessante a construção do poema acompanhando o prédio que esvoaça: a incerteza, o fugidio, eternizado em palavras (in)certas!
Lindo!
Adorei a iniciativa do blog, e vou te linkar (novamente) lá no Por um Triz.
Te beijo!

2/11/05 15:47  

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