sábado

Mel do Melhor 13: SALGADO MARANHÃO

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A décima terceira edição de O Mel do Melhor apresenta poemas do livro Sol Sangüíneo (2002), de Salgado Maranhão (1953-), vencedor do Jabuti com a antologia Mural de Ventos em 1999. O autor concedeu uma entrevista a Jefferson de Sousa sobre o livro. Mais poemas - recomendo! - podem ser lidos no Palavrarte e no Poesia.net. Confira também, como mel de praxe, a comunidade do autor no Orkut. Participe.
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sexta-feira

Salgado Maranhão: TRIBOS E VITRINES

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1. DO ARBÍTRIO
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Das estrias que a mão
esculpe
............só o que brilha
sobrevive.
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Nômade a manhã
despe o sol
.................à flor
da carne,
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................múltipla,
à vertigem da linguagem.
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Não há comportas
nem caminhos
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não há saaras
nem vienas
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em tudo há rinhas
e arestas
de flores
..............e esquifes.
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Em tudo entalha-se
ao revés
..............coisas que se mostram
e não se dão,
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que só no verso vêem-se,
no peeling pelo avesso.
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(Delitos que em seu exílio
transbordam de rubro
....................................a lira,
resenham através do júbilo,
rasuram através da ira.)
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Sopra revanche de ritmos
no íntimo viés do não dito,
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sopra o arbítrio dos dias.
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quinta-feira

Salgado Maranhão: TRIBOS E VITRINES

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2. DO SOPRO
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O sopro que intercepta
o self dos meninos
............................avança
as águas turvas
e o rasgo
.............. da mirada.
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(Límpido perfil do gesto
atado ao transe.)
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O sopro lume
........................e larva
pedra
........sangue
................flor
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face ao que consagra
e nutre,
face ao vário
...................desvario
onde anjos rotos
rezam aos abutres.
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Há uma zona
em que os cristais
se partem
sob essa aragem ancestral
do sangue.
Há incêndios na raiz
do gesto. Vestígios
de pólvora nas palavras.
E quando há voz,
é a cicatriz que canta.
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quarta-feira

Salgado Maranhão: DO RAIO

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Nem o acre sabor das uvas
nos aplaca. Nem a chuva
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nos olhos incendidos
devolve o que é vivido.
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O magma que nos evapora
tange o rascunho das horas
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sob um raio de suspense.
Nem o que é nosso nos pertence.
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terça-feira

Salgado Maranhão: LIMÍTROFE 7 (Pó e reticências)

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Que mares me adensam
para dentro
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eu que me faço
à margem
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eu que me renasço
do limbo
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ao doce furor
das águas? Porosa
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a boca - porto
de salina e sons -
abriga o vôo
....................sobre a seara
em que meus
....................pássaros
se aquecem.
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Movam-se limítrofes
..................................de mim
onde a noite escreve
cicatrizes.
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Somente os viajantes
..................................sem morada
os cães filhos da lua
seduzem
................o abandono
e as distâncias.
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Nada a fazer do tempo
que nos olha o dorso
por entre ruínas
............................e espirais
de tílias.
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Ante o que dói
e o que dorme
apenas pó
e reticências.
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segunda-feira

Salgado Maranhão: EXECUÇÃO

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Projéteis latejam como gotas
de luzes inocentes,
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no corpo ermo,
..........................desabitado,
impróprio para o uso.
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Ideogramas de sangue-flor
se vão cosendo no tecido
..........................................roto.
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Na quilha exposta
à fratura
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uma névoa da noite enluva o nada.
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domingo

Salgado Maranhão: CODA

para Ferreira Gullar
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Agora que cantar é flor
de lavas, lides
e o sol sangüíneo raia
nosso cais,
uma foz de lábios
nos incesta ao arbítrio
antes que rapinas raptem
nosso último grão de víscera.
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Cantar como as pedras rolam
cantar como o sangue cinge
os dígitos do amor imensurável.
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Radical amanhece
a ramagem de incêndios
sobre as vinhas.
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Do sublime à barbárie,
eis que o destino inscreve-se
nos dentes.
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Transidos recolhemos a penugem
do sol
..........e o silêncio
em riste.
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No ermo de ter-se sem se pertencer
só o impermanente permanece.
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