sábado
Ungaretti: A PIEDADE
PRIMEIRA PARTE
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Sou um homem ferido.
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E me quisera ir
E finalmente chegar,
Piedade, onde se escuta
O homem só consigo.
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Não tenho mais que soberba e bondade.
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E me sinto exilado entre os homens.
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Mas por eles padeço.
Não serei digno de voltar a mim?
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Povoei de nomes o silêncio.
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Fiz em pedaços coração e mente
Para cair na servidão das palavras?
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Reino sobre fantasmas.
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Oh folhas secas,
Alma levada aqui e acolá...
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Não, odeio o vento e sua voz
De besta imemorial.
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Oh Deus, aqueles que te imploram
Não te conhecem senão de nome?
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Me desfizeste da vida.
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Me desfarás da morte?
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Talvez o homem é também indigno de esperar.
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Mesmo a fonte do remorso está seca?
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Que importa o pecado
Se já não conduz à pureza.
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A carne se recorda apenas
De que outrora fora forte.
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Está louca e gasta, a alma.
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Deus, contempla a nossa debilidade.
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Quiséramos uma certeza.
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De nós sequer ris mais?
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Compadecemos, crueldade.
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Não posso mais estar murado
No desejo sem amor.
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Mostra-nos um rastro de justiça.
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Tua lei qual é?
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Fulmina minhas pobres emoções,
Livra-me da inquietude.
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Estou cansado de urrar sem voz.
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sexta-feira
SEGUNDA PARTE
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Melancólica carne
Em que outrora palpitou a alegria,
Olhos semicerrados do despertar cansado,
Tu vês, alma demasiado madura,
Aquilo que serei, caído na terra?
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Está nos vivos a estrada dos defuntos,
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Somos nós a fartura das sombras,
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São elas esse grão que nos abre em sonhos,
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Sua é a distância que nos sobra,
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E é a sombra que dá peso ao nomes.
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A esperança de um cúmulo de sombra
E nada mais será nossa sorte?
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E tu não serias mais que um sonho, Deus?
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Temerários, ao menos com um sonho
Queremos que te pareças,
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Como parte da demência mais clara.
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Não trema entre nuvens de ramas
Como pássaros matinais
Ao fio das pálpebras.
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Está em nós e enlanguesce,
Chaga misteriosa.
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quinta-feira
TERCEIRA PARTE
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Esta luz que nos punge
É um fio sempre mais sutil.
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Já não te deslumbras mais, se não matas?
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Dá-me esta alegria suprema.
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quarta-feira
QUARTA PARTE
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O homem, monótono universo,
Crê alargar seus bens
E de suas mãos febris
Só brotam fins que não têm limites.
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Preso sobre o vazio
A seu fio de aranha,
Não teme e não seduz
Senão seu próprio grito.
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Repara a ruína alçando tumbas
E para pensar-te, eterno,
Não tem mais do que blasfêmias.
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(1928)
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terça-feira
Ungaretti: Condenas com fantasia
Por que as aparências nunca duram?
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Se te toco, graciosa, gelas horrenda,
enudeces a idéia e, muito mais cruel,
nesse mesmo momento,
não desiludido, me ligas com outra pena.
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Por que crias, mente, corrompendo?
Por que te escuto?
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Qual o segredo eterno
que sempre me prenderá em ti?
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Te sigo, te procuro,
renovo a ladeira, não repouso,
e inclusive, não mais cansada, na tempestade,
oh a enlanguecer escolhos,
condenas com fantasia.
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Silêncios trépidos, infinitos impulsos,
corridas, geladas queimaduras, titubeações,
e desgarramentos, riso, inquietos lábios, frêmito,
e delírios clamantes
e abandonos espumantes
e glória intolerante
e numerosas solidões,
a vossa, eu sei, não é luz verdadeira,
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mas teríamos vida sem o teu variar,
culpa feliz?
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