sábado

Mel do Melhor 02: Giuseppe Ungaretti

...
...
Nesta primeira semana de novembro, o Mel do Melhor apresentará Giuseppe Ungaretti, vasto poeta italiano, a partir dos Hinos que compõem uma parte do livro Sentimento do Tempo, ainda inédito em português. Imperdível!
...
Pequena biografia: Giuseppe Ungaretti, filho de italianos da Toscana, nasceu em 10 de fevereiro de 1888 em Alexandria, onde realizou seus primeiros estudos. Em 1912 visitou pela primeira vez a Itália a caminho de Paris. Estudou na Sorbonne, conheceu os movimentos de vanguarda e fez amizade com algumas das figuras mais importantes da cultura contemporânea, tais como Apollinaire, Gide, Max Jacob e Picasso. Em 1915-18, luta como soldado pela Itália na I guerra. Dessa experiência surge seu primeiro livro - "A Alegria" (1914-9). Em 1921 se estabelece em Roma, onde escreve "Sentimento do Tempo", obra realmente marcada pela consciência da temporalidade. Em 1936, muda-se para o BRASIL e ocupa a cátedra de Língua e Literatura Italiana na USP. Nesse período, morre seu filho Antonietto, de 9 anos, a quem dedica o livro "A Dor". Em 1942, retorna a Itália e leciona na Universidade de Roma. Em 1950, mundialmente famoso, publica "A Terra Prometida". Morre em Milão em 1970, tendo organizado sua obra, "Vita d´un Uomo".
...
A quem se interessar possa: há uma comunidade no Orkut dedicada ao mestre italiano, na qual há outros grandes poemas. Veja e participe!
...

Ungaretti: A PIEDADE

PRIMEIRA PARTE
...
Sou um homem ferido.
...
E me quisera ir
E finalmente chegar,
Piedade, onde se escuta
O homem só consigo.
...
Não tenho mais que soberba e bondade.
...
E me sinto exilado entre os homens.
...
Mas por eles padeço.
Não serei digno de voltar a mim?
...
Povoei de nomes o silêncio.
...
Fiz em pedaços coração e mente
Para cair na servidão das palavras?
...
Reino sobre fantasmas.
...
Oh folhas secas,
Alma levada aqui e acolá...
...
Não, odeio o vento e sua voz
De besta imemorial.
...
Oh Deus, aqueles que te imploram
Não te conhecem senão de nome?
...
Me desfizeste da vida.
...
Me desfarás da morte?
...
Talvez o homem é também indigno de esperar.
...
Mesmo a fonte do remorso está seca?
...
Que importa o pecado
Se já não conduz à pureza.
... ...
A carne se recorda apenas
De que outrora fora forte.
...
Está louca e gasta, a alma.
...
Deus, contempla a nossa debilidade.
...
Quiséramos uma certeza.
...
De nós sequer ris mais?
...
Compadecemos, crueldade.
...
Não posso mais estar murado
No desejo sem amor.
...
Mostra-nos um rastro de justiça.
...
Tua lei qual é?
...
Fulmina minhas pobres emoções,
Livra-me da inquietude.
...
Estou cansado de urrar sem voz.
...

sexta-feira

...
SEGUNDA PARTE
...
Melancólica carne
Em que outrora palpitou a alegria,
Olhos semicerrados do despertar cansado,
Tu vês, alma demasiado madura,
Aquilo que serei, caído na terra?
...
Está nos vivos a estrada dos defuntos,
...
Somos nós a fartura das sombras,
...
São elas esse grão que nos abre em sonhos,
...
Sua é a distância que nos sobra,
...
E é a sombra que dá peso ao nomes.
...
A esperança de um cúmulo de sombra
E nada mais será nossa sorte?
...
E tu não serias mais que um sonho, Deus?
...
Temerários, ao menos com um sonho
Queremos que te pareças,
...
Como parte da demência mais clara.
...
Não trema entre nuvens de ramas
Como pássaros matinais
Ao fio das pálpebras.
...
Está em nós e enlanguesce,
Chaga misteriosa.
...

quinta-feira

...
TERCEIRA PARTE
...
Esta luz que nos punge
É um fio sempre mais sutil.
...
Já não te deslumbras mais, se não matas?
...
Dá-me esta alegria suprema.
...

quarta-feira

...
QUARTA PARTE
...
O homem, monótono universo,
Crê alargar seus bens
E de suas mãos febris
Só brotam fins que não têm limites.
...
Preso sobre o vazio
A seu fio de aranha,
Não teme e não seduz
Senão seu próprio grito.
...
Repara a ruína alçando tumbas
E para pensar-te, eterno,
Não tem mais do que blasfêmias.
...
(1928)
...

terça-feira

Ungaretti: Condenas com fantasia

...
Por que as aparências nunca duram?
...
Se te toco, graciosa, gelas horrenda,
enudeces a idéia e, muito mais cruel,
nesse mesmo momento,
não desiludido, me ligas com outra pena.
...
Por que crias, mente, corrompendo?
Por que te escuto?
...
Qual o segredo eterno
que sempre me prenderá em ti?
...
Te sigo, te procuro,
renovo a ladeira, não repouso,
e inclusive, não mais cansada, na tempestade,
oh a enlanguecer escolhos,
condenas com fantasia.
...
Silêncios trépidos, infinitos impulsos,
corridas, geladas queimaduras, titubeações,
e desgarramentos, riso, inquietos lábios, frêmito,
e delírios clamantes
e abandonos espumantes
e glória intolerante
e numerosas solidões,
a vossa, eu sei, não é luz verdadeira,
...
mas teríamos vida sem o teu variar,
culpa feliz?
...

segunda-feira

Ungaretti: Sentimento do Tempo

...
E pela luz precisa,
apenas uma sombra violeta caindo
sobre o cume menos alto,
a distância aberta à medida,
cada pulsação minha à maneira do coração,
mas agora o escuto,
te apressa, tempo, a pôr-me sobre os lábios
os teus lábios últimos.
...