sábado

Mel do Melhor 07: Paulo Hecker Filho

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O Mel do Melhor apresenta Paulo Hecker Filho, falecido na última segunda-feira (12/12), aos 79 anos, que é figura singular e múltipla das letras gaúchas: poeta, escritor, tradutor, dramaturgo, jornalista, cronista e crítico literário. Como não podia deixar de ser, serão apresentados vários poemas do livro Perder a vida, livro que, ainda na década de 80, encerrava um silêncio de mais de 20 anos em publicações e que, quase unanimemente, é considerado o seu melhor livro poético.
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O Sidnei Schneider apresenta alguns poemas e faz alguns relatos sobre o Hecker. Vale conferir.
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Paulo Hecker Filho: E EU, QUE NADA DISSO FIZ...

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Uns constroem cidades,
outros universais sistemas.
Fundam universidades,
têm históricos amores,
recebem todos os louvores,
fazem fortuna ou poemas.
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E eu, que nada disso fiz
e sem ter qualquer defesa?
Eu, que fui sendo feliz?
Eu, que perdi a vida...
.....................Que beleza!

Paulo Hecker Filho: ANTES DO NADA

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Um dia a mais! Um dia a mais! ... Deixai-me
ver o sol que amanhece e o sol que morre.
Deixai-me, ainda uma vez, olhar o mundo,
as ruas, a cidade, a paz dos verdes.
Deixai-me a luz tão minha das estrelas,
as mesmas que estiveram sempre lá.
Deixai que eu fale ainda com os amigos
e sinta na amizade a minha vida.
Deixai que ainda relembre nas amadas
seus momentos de amor
em que se transformam na Beleza
e me deram a glória que não tive.
Deixai que ainda uma vez beije meus filhos
que beijo desde antes de nascerem.
Um dia a mais! Uma hora a mais, mais um minuto
deixai-me neste excesso de estar vivo!
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sexta-feira

Paulo Hecker Filho: PEQUENA ETERNIDADE

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Amar, e sentir à luz da tua graça
o instante que fica à medida que passa.
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Paulo Hecker Filho: ESCUDO QUE TEU OLHAR MAIS DOCE DESPEDAÇA

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A haste ergue o grito amarelo do cravo
e as coisas recuam de eco na sala.
Ah, se trouxesses a ventarola de tuas ternuras imprecisas,
eu beijaria o luar sonhando como uma criança cega entre teus dedos.
Tira da boca o seio das minhas excitações contraditórias,
joga a cabeça com os cabelos para trás do que sabemos de nós mesmos.
Quero-te eu, mas eu disperso de mim, vulnerável em tua cristã inconsciência.
Pois não é sumir o que eu quero na noite com que envolvi a sala num suspiro.
Não. Talvez se trouxesses a tua boca oferecida numa bandeja de prata,
eu a tomasse como não tomo o cravo vagindo amarelo de dentro das minhas indecisões
e verias que meu olhar diria amo quando não sei se me importo.
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quinta-feira

Paulo Hecker Filho: AS AGONIAS EFÊMERAS

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Quero te beijar mas não te quero beijar pois sei
que se te beijar estarei beijando o beijo que te daria,
tão longe estou, meu bem, longe e ainda comovido
por exemplo com a ânsia das pedras lavradas
que nunca se lerão, uma ânsia paciente,
uma ânsia comovedora. Sorri,
sorri que encerro em minha jaula das feras
o teu sorrir dramático e ausente como
a minha alma que vai te beijar e deixa
mas acaba vencendo a distância intransponível
como muda o sorriso com que nos matavas.
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Paulo Hecker Filho: MÃE

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Eu só sei te abraçar como um menino.
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Paulo Hecker Filho: O MAR

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O mar, e eis-me por desterrado.
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Adeus, árduos futuros, que o passado se apaga;
qualquer dia, ante o mar, perde sua data.
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Não é a vida o mar, é o outro lado,
o que se amou e odiou tornado em grande,
o tempo feito espaço, o fim do tempo.
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Aos que não resistiram dou a mão
e entramos pelo mar.
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Mas o mar é do mar.
Eles souberam só o que soubemos:
a praia, o céu, a água, o imenso. O mar.
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quarta-feira

Paulo Hecker Filho: EU DIRIA PÁRA

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Se fosse possível,
eu diria pára.
Mas nada detém o mundo.
Nem um coração que pára.
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Paulo Hecker Filho: CÁLCULO

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Ao escolher tua vida,
também viste a duração.
Os cinqüenta era a medida
pra esgotar o coração.
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E completaste o teu prazo
sem ter esgotado nada.
Já ganho pelo descaso,
nem notaste a hora marcada.
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Não erraste calculando,
a vida é que foi traída,
e a ela te condenando
se vinga da tua vida.
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Paulo Hecker Filho: CHARITAS

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Aos vinte, no Natal, eu refazia
um a um os trabalhos de jesus.
Amava a um mundo que sequer me via,
embora o amor me rodeasse de luz.
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Abria o coração e as mãos abria
na ânsia de outros corações tão nus.
Mas a Terra bastava à maioria
e eu tinha de ocultar a nossa cruz.
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Hoje, que a idéia do Deus me abandonou,
continuo sozinho a sacra-via
com a mesma cruz de amor que me pesou.
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No entanto, se outra vida me ocorresse,
viver fora do amor não quereria,
mesmo morrendo mais que se morresse.
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terça-feira

Paulo Hecker Filho: Ó NOITE

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Ó noite teia escura das lágrimas
Avesso e por isso revelação
Fogueira vagarosa
queimando o que trouxe o dia
cada dia
Ó noite leite de seio negro
mas és tu que nos bebes
Noite estendida aos pés da lua
realizada como uma escrava
Tiara alva no céu noiva do eterno
com dedos de sombra na boca
fazendo do tempo passar os amantes
Espora dos ladrões
licença dos viciados
frio dos pobres
no entanto serenando os rios
escovando os cabelos das árvores
adiando os dias temíveis
ó noite que concedes
e que isolas....Noite
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desiste-me....desiste-me!
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Paulo Hecker Filho: IREI SEM VERSOS

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Rilke, meu caro,
que com tanto cuidado
construíste a tua morte,
desculpa
a quem desiste da sua.
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Ganhar a morte
é organizar a vida.
A mesa posta,
como cada coisa em seu lugar,
como Bandeira soube acabar.
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Eu não.
Nem sei os lugares certos,
mal me conformo comigo.
Se entro em foco num instante,
no seguinte já saí.
E as coisas dançam
sua valsa entontecida,
inquietas e inquietantes
como a vida.
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Nem os anjos,
caro Rilke,
se eu gritasse.
Completaram seu tempo de serviço,
douram as asas nas nuvens,
deixam de se importar.
Nem a rosa
que espinha o gran finale
como um verso de ouro.
Irei sem versos.
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Irei perdido
como agora e sempre
em minha própria vida desatada.
Irei sem sorte,
de braços nus
lutando contra o nada.
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Porque mesmo na morte,
amei a luz.
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Paulo Hecker Filho: UMA SAUDADE

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Vim cheirar teus cabelos.
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Paulo Hecker Filho: A CRIANÇA SUBMERSA

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Fui andando em mim
até que uma criança de colo
coube em meus braços.
Em seus olhos havia
a distância e o pavor
de uma criança.
Fixei-os. Choravam.
E aos dois nos mergulharam
na ignorância.
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segunda-feira

Paulo Hecker Filho: A CURA DA LEPRA

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Beija ao leproso em ti.
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Paulo Hecker Filho: A CURA DA POESIA

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Basta ser empírico
para enxugar a lágrima no ar lírico.
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Paulo Hecker Filho: CIDADE À NOITE

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O 18o. andar da avenida Paulista
inverte o céu.
Pousa no chão o cesto de estrelas
na negra noite da lua nova.
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Debruço-me à janela. O fôlego
se joga lá do alto.
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Tudo isto,
ó tempo fecundo e dor de cada dia,
tudo isto
para estrelar o chão nuns olhos?
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Desta surpresa em forma de janela,
São Paulo é tão inútil como o céu.
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Paulo Hecker Filho: O CINZA

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Eu sempre preferi esta névoa sem névoa,
este ar enfim humilde como o humano.
Me diz mais do que a chuva,
a chuva hostil, mas doce de se olhar,
a chuva forte, que embriaga beber.
Me diz mais do que o sol,
cuja glória excessiva nos obriga a outra glória.
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Eu sempre agradeci no fundo mais ao cinza,
como quem se surpreende com uma dor que alivia.
Me atrai com a sonhadora força de um pecado,
e quem sabe é um pecado, o pecado mortal...
Ó cinza, ó puro cinza, que és o tempo sem tempo,
o tempo enfim sem tempo,
tão macio como a morte.
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