sábado

Mel do Melhor 03: Contador Borges

...
...
...
Augusto Contador Borges nasceu em São Paulo, em 1954. Autor de Angelolatria, é tradutor de Aurélia, de Gérard de Nerval, O nu perdido e outros poemas, de René Char, A filosofia na alcova e Diálogos entre um padre e um moribundo, do Marquês de Sade, - todos publicados pela Iluminuras, editora na qual dirige a coleção “Pérolas furiosas” dedicada às obras de Sade. Os poemas que o Mel do Melhor publicará esta semana fazem parte do seu último, mas não derradeiro, livro, O reino da pele, que lançado em 2002 também pela Iluminuras.
...
Disseminações: podes encontrar mais do CB no PopBox e na Zunái. Vale a pena ler também a resenha de Fabrício Carpinejar para o livro.
...
A quem interessar possa: Comunidade Contador Borges no Orkut.
...

Contador Borges: O herói

...
O herói da ausência tem olhos cheios de noite. Quando se vê desolado sobre a página, sai em busca de sentido e claridade sem saber se volta para casa ferido de vida ou de morte. Seus olhos estão deitados no infinito, suas mãos tateiam a poeira das belezas transitórias. Sua voz guarda no âmago poder de ocultação e desvelo (como todas as verdades) e esse movimento governa o princípio que desencadeia as ações fabulosas, suas glórias e fracassos. Noite após noite ele cumpre seu rito sob as luas bordadas no céu das gregas calendas. Só irá consagrar-se na hora inebriante em que florir sua pálpebra.
...

sexta-feira

Contador Borges: Olhos acesos

...
Olhos acesos no álcool. O incêndio nos une e nos separa. Nada aprendi com o tempo, só com as cinzas, na dissolução das coisas íntimas. A fúria enovelada em ternura entrei de alma no abismo, andarilho de sonhos descalços, e em meio ao tumulto deixei os gestos no escuro. Melhor que isso: bebi a esmo um copo negro de esquecimento.
...

quinta-feira

Contador Borges: Amamos

...
Amamos os fundamentos como os nossos esqueletos. Quando a leve luz da ira nos assalta aranhas tramam no andaime de nossa demência e não como saudar a efeméride com chuva de pétalas. A insânia é uma névoa que gravita a nossa volta. E não há ciência que salva a colher dos equívocos quando trocamos os pés pelas mãos e entramos de sola quando a ocasião pede leveza em punhos de renda. Melhor tapar o sol com fogueira quando não se ouve os apelos essenciais da beleza.
...

quarta-feira

Contador Borges: Não Reconheço

...
Não reconheço a mulher de renda negra ou máscara de viúva que me aperta contra o peito em meio à miscelânea de sentimentos. Sei da ópera do pranto por trás da cortina e do riso trêmulo nos lábios feito de sombras que numa fração de segundos nos mantém ligados num irresistível campo de força onde transbordamos nos comunicando o fim de sua juventude e o começo da minha.
...

terça-feira

Contador Borges: A pele

...
A pele, matéria-luz
vale o sonho infinito
de um sentido
que corre efêmero
até a fronteira
onde está nosso corpo
diante do céu, batendo
pálpebras: rápidas,
como asas.
...

segunda-feira

Contador Borges: Lavar

...
Lavar os olhos
na luz aguda
...
secar nos poros
a verve nua
...
o suor que se atreve
a falar pela pele.
...

domingo

Contador Borges: Quando

...
Quando em nós mesmos
nos perdemos de vista
o suor é o único texto
que dá voz à pele sem pretexto
para o movimento inesperado
que jamais adere à causa
sem fechar as pálpebras
e então nos vemos de frente
sem grades nem desespero
temos a dimensão exata
de um fulgor que se expande
de um juízo que se sente
pela primeira vez despido
de suas redes de sempre.
...