terça-feira

Leonard Cohen: O NOVO CHEFE

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Quando teve certeza de que seu pai tinha conseguido o contrato dos fornos, que o fumo que cobria a cidade, as nuvens cálidas como a sua pele eram obra de seu pai, sentiu-se livre do amor, o vazio que sentia ficou legalizado.
Higiênico como um chicote, o seu coração despojou-se dos alibis da devoção, livre como uma ponte derrubada por uma tempestade, inútil e puro como um despertador afogado, inspirou profundamente cheio de gratidão na atmosfera poluída e exclamou: O meu pai conseguiu o contrato dos fornos, ele amava a minha mãe e construía-lhe vivendas no campo.
Quando teve certeza de que seu pai tinha conseguido o contrato dos fornos, subiu a um monte de monóculos, sentou-se na corrente de ar de um cabelo, odiou com enorme naturalidade a chusma de inválidos, as suas mães, os seus maridos e as esposas, o sonho familiar das obrigações dignas.
Depois de descer a St. Claire Street a dançar realizou uma intervenção cirúrgica numa hospedaria. As janelas gotejavam como um congelador estragado. Do seu ódio desprendia-se uma brancura de sal sobre as calçadas. Não se salvou ninguém e sentiu-se feliz por ter possuído à luz da lua, no seu passado que pertencia já à história, cento e cinquenta mulheres.
Embriagou-se por fim, após ter passado anos a pisar o colar de margaridas da história, feito de beleza atrás de beleza. O seu pai tinha levantado nuvens em forma de coxa, que cheiravam a caixeiros-viajantes, ciganos e violonistas. Com a segurança e o prazer genital que lhe proporcionava aquela revelação, não pôde duvidar que fora o seu pai que conseguira o contrato dos fornos.
Bêbado por fim, abraçou-se a si mesmo. Bêbado, gelado e de estômago vazio. O céu claro, mas só para ele. Sentia-se livre para tremer, livre para odiar, livre para começar de novo.
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