O Mel do Melhor 22: Alejandra Pizarnik
A vigésima segunda edição de O Mel do Melhor apresenta poemas de uma das melhores poetas argentinas de todos os tempos, Alejandra Pizarnik, do livro Los Trabajos Y Las Noches (1965). Trata-se de uma pequena homenagem aos seus 70 anos de nascimento (29.04.1936 - 25.09.1972). São nada menos do que 20 poemas traduzidos por Lílian Gandon e revisados por mim, Carlos Besen. É o primeiro de uma série de traduções a mãos dadas. Aproveite e sugira outras versões, como lhe aprouver.
ALEJANDRA PIZARNIK: Los trabajos y las noches
EM TEU ANIVERSÁRIO
Recebe este rosto meu, mudo, mendigo.
Recebe este amor que te peço.
Recebe o que há em mim que és tu.
EN TU ANIVERSARIO // Recibe este rostro mío, mudo, mendigo./recibe este amor que te pido./Recibe lo que hay en mí que eres tú./
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SOMBRA DOS DIAS POR VIR
................................ a Ivonne A. Bordelois
Amanhã
Vestir-me-á com cinzas o amanhecer,
Encher-me-ão a boca de flores.
Aprenderei a dormir
Na memória de um muro,
Na respiração
De um animal que sonha.
SOMBRA DE LOS DÍAS A VENIR / a Ivonne A. Bordelois // Mañana/me vestirán con cenizas el alba,/me llenarán la boca de flores./Aprenderé a dormir/ en la memoria de un muro,/ en la respiración/ de un animal que sueña.
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MORADAS
................................a Théodore Fraenkel
Na mão arrepiada de um morto,
Na memória de um louco,
Na tristeza de um menino,
Na mão que busca o copo,
No copo inalcançável,
Na sede de sempre.
MORADAS / a Théodore Fraenkel // En la mano crispada de un muerto,/ en la memoria de un loco,/ en la tristeza de un niño,/ en la mano que busca el vaso,/ en el vaso inalcansable,/ en la sed de siempre.
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A VERDADE DESTA VELHA PAREDE
que é frio é verde que também se move
chama ofega gane é halo é gelo
fios vibram tremem
................................ fios
é verde estou morrendo
é muro é mero muro é mudo mira morre
LA VERDAD DE ESTA VIEJA PARED // que es frío es verde que también se mueve / llama jadea grazna es halo es hielo / hilos vibran tiemblan / hilos / es verde estoy muriendo/ es muro es mero muro es mudo mira muere
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FESTA
tinha estendido minha orfandade
sobre a mesa, como um mapa.
Desenhei o itinerário
até meu lugar ao vento.
Os que chegam não me encontram.
Os que espero não existem.
E tinha bebido licores furiosos
para transmutar os rostos
num anjo, em copos vazios.
FIESTA // he despleado mi orfandad/ sobre la mesa, como un mapa. / Dibujéel itinerario / hacia mi lugar al viento. / Los que llegan no me encuentran. / Los que espero no existen.// Y he bebido licores furiosos/ para transmutar los rostros / en un ángel, en vasos vacíos.
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O CORAÇÃO DO QUE EXISTE
não me entregues,
................................ tristíssima meia-noite,
ao impuro meio-dia branco
EL CORAZON DE LO QUE EXISTE // no me entregues, / tristísima medianoche, / al impuro mediodía blanco
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AS GRANDES PALAVRAS
a Antonio Porchia
ainda não é agora
agora é nunca
ainda não é agora
agora e sempre
é nunca
LAS GRANDES PALABRAS / a Antonio Porchia // aún no es ahora / ahora es nunca / aún no es ahora / ahora y siempre / es nunca
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MADRUGADA
Nu sonhando uma noite solar.
Sepultei dias animais.
O vento e a chuva me apagaram
como a um fogo, como a um poema
escrito num muro.
MADRUGADA // Desnudo soñando una noche solar. / He yacido días animales. / El viento y la lluvia me borraron / como a un fuego, como a un poema / escrito en un muro.
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OS TRABALHOS E AS NOITES
para reconhecer na sede meu emblema
para significar o único sonho
para não me sustentar nunca de novo no amor
fui toda oferenda
um puro errar
de loba no bosque
na noite dos corpos
para dizer a palavra inocente
LOS TRABAJOS Y LAS NOCHES // para reconocer en la sed mi emblema / para significar el único sueño / para no sustentarme nunca de nuevo en el amor // he sido toda ofrenda / un puro errar / de loba en el bosque / en la noche de los cuerpos / para decir la palabra inocente
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TUA VOZ
Emboscado em minha escritura
cantas em meu poema.
Refém de tua doce voz
petrificada em minha memória.
Pássaro preso à tua fuga.
Ar tatuado por um ausente.
Relógio que bate comigo
para que nunca desperte
TU VOZ // Emboscado en mi escritura / cantas en mi poema./ Rehén de tu dulce voz / petrificada en mi memoria. / Pájaro asido a tu fuga. / Aire tatuado por un ausente. / Reloj que late conmigo / para que nunca despierte
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O OLVIDO
na outra margem da noite
o amor é possível
leva-me
leva-me entre as doces substâncias
que morrem a cada dia em tua memória
EL OLVIDO // en la otra orilla de la noche / el amor es posible // --llévame-- // llévame entre las dulces sustancias / que mueren cada día en tu memoria
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VOZ MENDIGA
E ainda me atrevo a amar
o som da luz numa hora morta,
a cor do tempo num muro abandonado.
Em meu olhar o perdi todo.
É tão distante pedir. Tão perto saber que não há.
MENDIGA VOZ // Y aún me atrevo a amar / el sonido de la luz en una hora muerta, / el color del tiempo en un muro abandonado. // En mi mirada lo he perdido todo. / Es tan lejos pedir. Tan cerca saber que no hay.
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AMANTES
uma flor
................................ não longe da noite
................................ meu corpo mudo
se abre
à delicada urgência do sereno
AMANTES // una flor / no lejos de la noche / cuerpo mudo /se abre / a la delicada urgencia del rocío
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POEMA
Tu escolhes o lugar da ferida
onde emitimos nosso silêncio.
Tu fazes da minha vida
esta cerimônia demasiada pura.
POEMA // Tú eliges el lugar de la herida / en donde hablamos nuestro silencio. / Túhaces de mi vida / esta ceremonia demasiado pura.
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FORMAS
não sei se pássaro ou jaula
mão assassina
ou jovem morta entre velas
ou amazona ofegando na grande garganta escura
ou silenciosa
mas talvez oral como uma fonte
talvez jocosa
ou princesa na torre mais alta.
FORMAS // no sé si pájaro o jaula / mano asesina / o joven muerta entre cirios // o amazona jadeando en la gran garganta oscura / o silenciosa / pero tal vez oral como una fuente / tal vez juglar / o princesa en la torre más alta.
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ANTES
................................ a Eva Durrell
bosque musical
os pássaros esboçavam em meus olhos
pequenas jaulas
ANTES / Eva Durrell / bosque musical// los pájaros dibujaban en mis ojos / pequeñas jaulas
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OS PASSOS PERDIDOS (Inédito)
Antes foi uma luz
em minha linguagem nascida
a poucos passos do amor.
Noite aberta. Noite presença.
LOS PASOS PERDIDOS (Inédito) / Antes fue una luz / en mi lenguaje nacido / a pocos pasos del amor. // Noche abierta. Noche presencia.
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ONDE CIRCUNDA O ÁVIDO
Quando acaso venha meus olhos brilharão
da luz de quem choro
mas agora alimenta um rumor de fuga
no coração de toda coisa.
DONDE CIRCUNDA LO ÁVIDO // Cuando sí venga mis ojos brillarán / de la luz de quien yo lloro / mas ahora alienta un rumor de fuga / en el corazón de toda cosa.
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NOMEAR-TE
Não o poema da tua ausência,
somente o esboço, uma fissura num muro,
algo no vento, um sabor amargo.
NOMBRARTE // No el poema de tu ausencia, / sólo un dibujo, una grieta en un muro, / algo en el viento, un sabor amargo.
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SENTIDO DE SUA AUSÊNCIA
se eu me atrevo
a olhar e dizer
é por sua sombra
unida tão suave
a meu nome
lá longe
na chuva
em minha memória
por seu rosto
que ardendo em meu poema
dispersa harmoniosamente
um perfume
ao amado rosto desaparecido
SENTIDO DE SU AUSENCIA // si yo me atrevo / a mirar y a decir / es por su sombra / unida tan suave / a mi nombre / allálejos / en la lluvia / en mi memoria / por su rostro / que ardiendo en mi poema / dispersa hermosamente / un perfume / a amado rostro desaparecido
(poemas extraídos de: http://pizarnik.iespana.es - excelente site, com material farto)